Uma reflexão profunda sobre o peso do tempo sobre as decisões tomadas, envoltas em uma agonia causada pela falta de respostas.
Confira a resenha do livro: A Natureza da Mordida, de Carla Madeira lançado em 2018 e republicado pela editora Record em 2022.
Sem a impulsividade que muda completamente o rumo da vida dos seus personagens de Tudo é Rio e Véspera, em A Natureza da Mordida a narrativa de Carla Madeira chega mansa, como uma felina rondando sua presa.
De longe, imagino eu, ela observa o leitor agoniado até quase metade do livro, sem entender o que aconteceu com aquelas mulheres, protagonistas da história, que se unem genuinamente em meio a um imenso sofrimento.
Enquanto elas compartilham memórias soltas uma com a outra, confessando intrinsecamente um desejo profundo de voltar no tempo — que teimosamente não para de andar pra frente — nós leitores, avançamos as páginas procurando por esclarecimentos!
Mas o suspense só acaba da metade pro final, quando os fatos vão se revelando e nos colocando, aos poucos, a par do que talvez fosse melhor não saber. Ou não?
Essa é uma das questões do livro: o quanto aguentamos não saber?
E não se trata de não saber uma fofoca para satisfazer uma curiosidade superficial. Trata-se de não saber porque um pai e marido amoroso e responsável abandona sua família, sem dizer uma palavra. Porque uma amizade verdadeira de uma vida inteira é rompida subitamente, sem razão aparente.
Laços profundos, sendo cortados repentinamente, sem explicações ou despedidas e que deixam um vácuo e uma interrogação enorme: por quê?
Assim, Carla nos conduz a uma nova experiência literária, acompanhados do incômodo de não saber. Como não saber dói, machuca, revolta, dá raiva, dá medo… Fazendo a vida se tornar uma grande angústia e buscar respostas uma obsessão.
Mulheres feridas e fortes
Biá, uma psicanalista aposentada, enfrentando uma gradual perda de memória. Na juventude, teve uma vida boa: marido, filha, carreira. Amava os livros, amava seu trabalho e se envolvia neles profundamente, deixando tudo e todos pra depois. Apesar dos pesares, seu marido e sua filha entendiam suas paixões e aguardavam ansiosamente pelos raros e inesquecíveis momentos juntos.
Olivia, uma jovem jornalista, que quando criança perdeu o pai em um trágico acidente, precisou, junto da mãe, reconstruir sua vida muito cedo. Dentre as dificuldades inerentes do luto, enfrentaram interferências de homens que se sentiam autorizados a se aproximar de uma mulher viúva. Até que Rita aparece, uma vizinha nova com a amizade que Olivia tanto precisava, iniciando um período de cumplicidade, admiração e amor consolidados em anos de convivência e confidências.
Quando o destino de Biá e Olívia se cruzam, elas vivem a fase mais difícil de suas vidas e da dor nasce uma amizade. Através das suas conversas, vamos conhecendo outras mulheres que fazem parte das suas vidas, em especial a mãe de Olivia, Laura, e a filha de Biá, Teresa e o que aconteceu com elas para chegarem até ali tão machucadas.
Narrado pelas duas protagonistas, o livro intercala capítulos de anotações de Biá e relatos dos encontros das duas contadas por Olivia. O que coloca o leitor em um real exercício de paciência, convivendo com elas por dias, até entender o que aconteceu.
A força de um ato de amor
Como nas outras obras de Carla, as respostas estão sempre no passado, em cada escolha feita. Nada é por acaso, tudo é consequência de um ato anterior e assim sucessivamente.
Tão óbvio e claro, que todos nós esquecemos facilmente e fazemos sem nos dar conta, como respirar.
Contudo, em A Natureza da Mordida a atitude que muda tudo não é impulsiva, agressiva ou insensata, como nas outras obras da autora. Muito pelo contrário. Nessa história o que muda tudo é um movimento ativo e consciente de pausa, a decisão de não fazer,de não dizer. O acontecimento que muda tudo não é a tragédia, mas a evitação dela.
Um movimento completamente diferente, mas que impacta da mesma forma, nos encurralando e fazendo pensar: o que pode ser pior?
A decisão de evitar a desgraça que se aproxima é muito forte e traz consequências.
Quando o amor é tão grande, a ponto de fazer um movimento consciente de proteção — colocando a razão acima da emoção — pode ser um gesto nobre ou uma maldição.
Que nessa obra está envolta de silêncios, que impede a compreensão dos acontecimentos, ou pelo menos, não satisfaz a necessidade de explicações dos personagens.
Afinal, conseguimos viver sem compreender tudo que nos afeta? Tendo a certeza que não podemos controlar e saber tudo, parece óbvio dizermos que sim. Mas, tem situações que nos sentimos no direito de saber, colocando o outro no dever de dizer. Contudo, falar é também um direito, que o outro pode escolher não exercer.
Se você já leu Tudo é Rio e/ou Véspera, A Natureza da Mordida vai te proporcionar uma experiência de leitura completamente diferente. Carla Madeira, nos traz aqui uma história sobre o peso do tempo sobre coisas não feitas, num movimento totalmente oposto de suas outras obras.
Vale cada página e agonia da espera de não saber. Porque depois de saber, quase que imediatamente entendemos que sim, às vezes é melhor não saber.
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Obrigada por ler! 🤓
Espero que tenha gostado e se inspirado a ler o livro.
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Nos vemos no próximo texto 🥰
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