Contada pela escrita genial de Benedetti, esta história causa desconforto, nos põe em conflito e faz pensar.
Confira a resenha do livro A Trégua, de Mario Benedetti, traduzido por Joana Angélica D’Avila Melo e publicado pelo selo Alfaguara em 2007.
Escrita em forma de diário, cada dia é uma confissão do protagonista sobre sua relação com os filhos, a perda de sua esposa, o peso do seu trabalho e o receio pelo período de ócio que terá com a chegada da aposentadoria.
Sem filtros ou censura, essa escrita pessoal e particular a que temos acesso é, em alguns momentos, desconfortável e repreensível, mas na medida em que avançamos e compreendemos seu universo, mais interessante ela fica.
A Trégua, apresenta através da escrita genial, sincera e fluida de Benetti, a vida de Martín Santomé, um personagem complexo que vive importantes transformações. Com um final surpreendente e forte, a história desperta reflexões sobre o tempo, sobre como nos permitimos viver alguns sentimentos e como adiamos com facilidade algumas decisões.
Uma história sobre amor, mas também sobre escolhas.
“A partir de amanhã, e até o dia da minha morte, o tempo estará às minhas ordens. Depois de tanta espera, isto é o ócio. O que farei com ele?”
Ao humanizar seu protagonista Martin, Benedeti evidencia como ninguém é 100% bom ou 100% ruim — um ótimo lembrete para o período polarizado em que vivemos. Somos todos multifacetados e com nossas qualidades e defeitos, carregamos a mesma capacidade para o fazer o bem, como para fazer o mal.
E é essa proximidade do personagem com nossos sentimentos mais primitivos, que nos causa desconforto e nos confunde.
“Eu devia me sentir orgulhoso por haver ficado viúvo com três filhos e ter conseguido seguir adiante. Mas não me sinto orgulhoso, e sim cansado”.
Introspectivo, tomado pela amargura com uma rotina rígida e fria, vive muito isolado, com poucos amigos e vida social. E é justamente nessa fase que algo inesperado acontece: ele encontra um novo amor. Como alguém tão impenetrável se colocará para o amor?
“Ela me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me sentisse bem-acolhido. Mas do que beijá-la, mais do que deitarmos juntos, mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor”.
De forma surpreendente, acompanhamos a evolução de sua relação amorosa, seu entendimento sobre o ócio e o significado do trabalho em sua vida. Vemos alguém que há muitos anos estava em um mundo cinzento, fechado na sua dor e passa a demonstrar sua sensibilidade, capacidade de amar e cuidar.
Ao mesmo tempo, descobrimos seus sentimentos e convicções mais profundas, com opiniões um tanto indigestas, atitudes preconceituosas, machistas e ultrapassadas. Em alguns pontos o texto choca e é difícil engolir o personagem, principalmente na sua relação com um de seus filhos, que se revela homossexual.
“Encontro meus filhos muito pouco. Nossos horários nem sempre coincidem, e nossos planos ou nossos interesses, menos ainda”.
Essa complexidade do personagem de fato nos prende e torna o livro muito interessante. Despertando sensações diversas, nos coloca em conflito sobre amar e odiar a mesma pessoa.
Por óbvio, o personagem representa preceitos e comportamentos aceitáveis para a época em que foi publicado pela primeira vez, na década de 60. Sendo fundamental a sua contextualização, nos fazendo refletir sobre as mudanças sociais que sofremos e o quanto conseguimos evoluir em alguns aspectos, e em tantos outros seguimos estagnados.
Uma experiência de leitura complexa pela montanha-russa de sentimentos que desperta e pelos temas sérios de que trata. Recomendo demais!
Obrigada por ler! 🤓
Espero que tenha gostado e se inspirado a ler o livro.
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Nos vemos no próximo texto 🥰
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