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  • Foto do escritorAdriana Ferreira

Resenha do Livro: Casas Vazias, de Brenda Navarro

Atualizado: 5 de jan.

Conduzida a partir do roubo de uma criança de 3 anos, a narrativa apresenta a realidade de duas mães — a biológica e a raptora. Ambas têm vidas tão catastróficas, que o episódio do rapto passa a ser a menor das tragédias.

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Confira a resenha do livro Casas Vazias, de Brenda Navarro, com tradução de Livia Deorsola e publicado pela Editora Dublinense em 2022. ​​


Casas Vazias conta a história de duas mulheres, a partir do sequestro de uma criança de 3 anos enquanto ela brincava no parque. A mãe, que estava próximo observando, se distraiu por alguns segundos no celular e pronto, seu filho foi roubado. Como os segundos que antecedem um acidente, um copo que cai ou um tropeço no chão. De forma rápida e sem explicação o inesperado aconteceu.


Esse fato será, portanto, o fio condutor de toda a narrativa e através dele vamos conhecer, inicialmente, a história dessa mãe até o fatídico dia do roubo de seu filho. Na sequência, vamos conhecer a outra mãe, a mulher que roubou seu filho. Duas perspectivas do mesmo fato, contadas por duas mulheres com realidades e histórias de vida tão duras e complexas, que o rapto da criança, acaba sendo a menor das desgraças.

"A vida nos coloca em circunstancias que não pedimos. A vida é uma merda".

As diversas camadas dessa história começam a se desvelar quando observamos o momento do rapto. A mãe havia se distraído olhando a mensagem de um amante no celular. Ela poderia ter se distraído olhando o celular por qualquer outro motivo, podia ser a escola da filha ligando, podia estar fazendo a lista do supermercado ou ser algo do trabalho. Mas não, era a mensagem do amante e isso foi o suficiente para pesar ainda mais sobre suas costas. Para mostrar o quão irresponsável ela era e o quanto merecia o sofrimento que estava por vir.


Essa mulher, que a autora prefere não dar um nome e chamarei aqui de mãe biológica de Daniel (a criança raptada), é mexicana e casada com Fran. Um homem de personalidade e atitudes bastante diferentes das dela. Com o tempo essas diferenças os afasta, até que o casamento se torna apenas de aparências e por comodidade.


Eles não queriam ter um filho, não planejavam, nem sonhavam com isso. Pelo contrário, achavam não ser a hora e evitavam que isso acontecesse. Até que uma tragédia acontece com a irmã de Fran e eles viajam à Espanha para apoiar a família. Como consequência, eles ganham uma filha adotiva, que era a sobrinha de Fran. Ao mesmo tempo que uma gravidez indesejada é descoberta.


De repente o casal se vê em outro país, com dois filhos não planejados, em meio a um período de muita dor. Levam um susto, entram em pânico. Mas, não tinham o que fazer a não ser enfrentar. A nova mãe passa a gravidez longe da sua casa, sua família, vivendo uma vida provisória. Convivendo com a família do marido, que está enlutada e traumatizada, presa em um clima pesado e rancoroso.


Ao mesmo tempo que ganha uma filha adotiva, que também não havia sido planejada e precisa educar, apoiar, proteger e dar um amor que ela nem sabe se tem. Os conflitos, dúvidas, medo, angústia são tantos. A vida vai acontecendo e essa mulher só vai aceitando e aguentando, fazendo o que tem que ser feito. Não tem vontades, planos, objetivos… nada de ação, só reação.


Meses depois voltam pro México, de onde saíram dois, agora voltavam quatro. O casamento seguia falido, mas separação não foi uma opção. Por isso, alguns anos depois, ter um amante foi uma tentativa de fuga, um ato desesperado de sentir alguma coisa. Mas o caso não deu certo e o amante terminou com ela por mensagem. Ela, desconsolada resolve sair para dar uma volta e respirar, quando seu filho, Daniel, é raptado no segundo que ela se dedica relendo a mensagem.

"Eu não mereço respirar. Respiro. Minha convicção é respirar".

Adentramos então, na vida da mãe que raptou Daniel. Outra mulher que a autora preferiu não nomear e chamarei aqui de mãe sequestradora. Ela tem uma história de vida tão dolorosa e desestruturada que torna seus atos mais nocivos, compreensíveis e dignos de compaixão.


Uma mulher jovem e pobre, que ainda na infância descobre que seu tio é também seu pai! Sua mãe, após sofrer abusos em casa, criou a filha sozinha de uma forma totalmente autoritária, sem afeto, compreensão e bondade. Ela ainda teve outro filho, o irmão mais novo da mãe sequestradora, que morreu de forma muito trágica ainda jovem. Acumulando mais um trauma à família.


Nesse contexto sem referência de amor, respeito, compaixão e qualquer outro valor não surpreende quando essa mulher roube uma criança, anos depois de fazer diversas escolhas erradas. Primeiro ela decide não mais estudar e se dedicar apenas ao trabalho, para ter condições de viver uma vida diferente e realizar o sonho de ser mãe. Depois arranja um namorado abusivo e violento.


Seu maior desejo era ser mãe de uma menina e criá-la de forma totalmente diferente da que foi criada. A carência e a falta de autoestima fizeram as migalhas que esse namorado oferecia, serem o suficiente para ela ver razões para se casar com ele. E aceitar seus maus tratos, tanto verbais como físicos.


Assim, um homem que não trabalhava, não ajudava em casa, não a apoiava nem incentivava ela em nada, passou a ser o homem que ela queria muito ter uma filha e ser feliz. Ele, por sua vez, não queria um filho, dizia que ela era louca por querer isso e passava mais tempo na rua do que em casa. Quando a coisa apertava, devido suas traições e bebedeiras, ele corria para saia (casa) da mãe, que o acobertava colocando sempre a culpa na nora.


Entre brigas, sexo, violência, juras de amor e traições somados a uma péssima convivência com a sogra e sua própria mãe, a mãe sequestradora se vê sozinha e desamparada. Vamos acompanhando seu dia a dia com muito pesar quando seu maior sonho se realiza: ela engravida. Uma felicidade logo interrompida por um aborto espontâneo.


Desolada, se sentindo sozinha, frustrada, sem rumo ela decide sair para espairecer. Pega um ônibus e desce em um parque para se distrair olhando as crianças brincarem… E assim, Daniel é raptado se transformando em Leonel na sua nova casa.


Como o marido, a família e a vizinhança da sequestradora vão reagir quando ela chega com uma criança em casa trazem novas camadas para a história. A displicência inicial se torna preocupação, até que intervenções violentas passam a ser feitas.


Por outro lado, a vida da mãe biológica de Daniel ficou congelada no dia do seu rapto. Sufocada de culpa, ruminações, desespero e agonia. Sendo obrigada a seguir em frente e sentir a cada dia a dor da perda do seu filho. Convivendo em uma casa cheia de lembranças e com um marido e uma enteada que tinham a irritante esperança de que tudo ia acabar bem.

"Todos, todos, sem exceção, tagarelava e ouviam a si mesmos, enquanto nós, mulheres, nos olhávamos confusas e impávidas, porque isso era o que tínhamos que fazer: sermos as casas vazias para abrigar a vida ou a morte, mas, no fim das contas, vazias".

Casas Vazias, apresenta uma história difícil, pesada e bastante complexa. Colocando luz em questões sociais e na condição da mulher em meio a família e sociedade. Mostra de maneira bastante crua como os contextos formam quem somos e como é difícil ser uma pessoa diferente daquilo que nos está posto. Mesmo tentando ter uma vida diferente, as personagens eram colocadas frente a situações em que não tinham para onde fugir. Precisavam aceitar e lidar com a realidade.


Evidenciando também que um contexto caótico e catastrófico naturaliza situações absurdas. Permitindo e estimulando atitudes ruins sob a justificativa de que o outro fez pior ou de que o cenário é pior. O que fazer quando não há referências positivas? Quando não há ninguém que saiba dizer o que é certo?


Claramente uma relação de causa e efeito. Onde a sequência de tragédias é viabilizada pela falta de estrutura, orientação, base familiar, saúde mental e recursos. Construindo seres humanos sem estima, amor e respeito por si mesmos, quem dirá pelos outros.


Tudo isso sendo retratado da perspectiva complexa da maternidade. Afinal, as duas mulheres se conectam pelo rapto de uma criança, que por períodos diferentes, foi um filho amado para as duas. Contudo, são maternidades experienciadas de formas totalmente diferentes.



Uma delas é de classe alta e vive uma maternidade não desejada, um tanto sofrida, baseada no sacrifício de abrir mão. Enquanto a outra, de classe extremamente baixa, desejava ser mãe com todas as suas forças, ignorando por completo a sua realidade que dizia não ser o momento. E independente de como se tornaram mães, as duas são julgadas e condenadas a história inteira.


Além das duas, outras mães aparecem na história acumulando papéis de irmãs, sogras, cunhadas, avós, tias, filhas. Cada uma carregando a dor e alegria da maternidade, mas conectadas pelo sofrimento em comum: a maternidade não foi o que imaginaram.


Suas histórias de vida e contextos familiares deixavam claro como eram vítimas também. Mas, o tempo todo eram colocadas como únicas responsáveis por todos os acontecimentos e por isso, deveriam aguentar as consequências. Devido às expectativas criadas por todos a partir dos estereótipos da maternidade pura, sem falhas, de total entrega, amor e dedicação.


Uma leitura de tirar o fôlego, perturbadora diante de tanta injustiça, incompreensão e falta de apoio. Que desperta muitas reflexões tamanha a possibilidade de histórias como essa não serem apenas ficção, imensa desigualdade social e diferentes pressões sociais sobre a mulher e a maternidade perfeita.


O livro acaba deixando diversos desconfortos. Sem apresentar uma conclusão explícita, mas sim caminhos abertos à interpretação, ficamos também perdidos sem saber, ou sem querer acreditar, nos possíveis finais. Trazendo ainda mais veracidade para a história, que assim como na vida, termina sem ter todas as feridas cicatrizadas e problemas solucionados. Recomendo demais a leitura!


Sobre a autora


Brenda Navarro é mexicana, nasceu em 1982 e atualmente vive em Madri. É formada em Sociologia e Economia Feminista com mestrado em Estudos de Gênero. Ativista pelos direitos humanos também está à frente do projeto Enjambre Literário. Iniciativa que visa reunir escritoras e jornalistas ibero-americanas em uma rede de colaboração.

Venceu com Casas Vazias, seu romance de estréia, o prêmio Tigre Juan 2020, dedicado a produções literárias de língua espanhola.


 

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Obrigada por ler! 🤓

Espero que tenha gostado e se inspirado a ler o livro.

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Nos vemos no próximo texto 🥰



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