Uma história de horror surpreendente, que por ações inconsequentes, revela o bem e o mau dentro de nós.
Confira a resenha do livro Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley, traduzido por Christian Schwartz e publicado pela Penguin-Companhia em 2015.
Um jovem cientista, curioso e imerso em questionamentos filosóficos sobre a origem da vida, não resiste à sedução do poder da criação. Amante das ciências naturais, Victor Frankenstein não põe limites ao realizar suas experiências e acaba descobrindo, em seu laboratório, como dar vida a um ser inanimado.
Instigado por sua descoberta, decide construir um corpo humano completo e dar-lhe vida. Sem considerar as consequências desse ato, a história se desenrola em um embate entre criatura e criador, com fortes discussões sobre ética, direitos e deveres.
Origem da Obra
Esse clássico da literatura de terror gótico, escrito entre os anos de 1816 e 1817, viaja no tempo colocando em questão temas ainda muito discutidos, como o surgimento da vida no mundo, a existência de um único criador, os limites da ciência e do poder. Criação de uma jovem britânica, de 19 anos, a primeira edição da obra, formada por três volumes, foi publicada em 1818 sem o nome da autora. Em 1823, uma segunda edição, formada por dois volumes, é lançada já contendo o nome de Mary Shelley como autora. E, finalmente, em 1831, após longa revisão, mais uma edição é lançada, agora em volume único.
Essa última edição, acabou sendo a mais conhecida até hoje, rendendo ao longo dos anos diversas adaptações para o cinema, teatro, programas de rádio, quadrinhos, livros e séries.
Reconhecido como um dos principais livros do gênero de horror gótico, é marcado pela genialidade de sua autora, que ainda tão jovem, escreveu uma história tão complexa que conquistou o público, se tornando referência para grandes nomes como Stephen King.
Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley
Além do enredo intrigante, tenso e totalmente inesperado, a estrutura do romance contribui para torná-lo ainda mais interessante.
Composta por três partes, que intercalam passado e presente, o livro traz o mesmo fato: a criação de Victor Frankenstein, narrado da perspectiva de três personagens diferentes.
O primeiro a contar sua versão é o capitão Walton, que ouviu de Victor sua infeliz história e, impressionado a narra por cartas, para sua irmã. Na segunda parte, Victor Frankenstein é o narrador e conta sua versão dos fatos, com um nível de detalhes que somente ele poderia relatar. E por fim, a terceira parte dá voz à criatura, que apresenta a sua versão da história, surpreendendo a todos sobre seu nível de consciência e sentimentos.
Esse formato vai construindo e modificando a visão do leitor em relação a Victor, o criador, e a sua criatura. Ambos têm dentro de si o bem e o mal, e vivem uma disputa que envolve ressentimentos, medo, dor, dúvidas.
Victor Frankenstein e sua famosa criatura
Victor, se viu profundamente instigado pelas ciências naturais, ficou obcecado pelo estudo de química e filosofia natural. Tendo o funcionamento do corpo humano como seu principal interesse, passa a estudar anatomia.
Após longos períodos de estudo, vendo matéria viva, morrer e apodrecer, se questiona o motivo dos estudos sempre estarem voltados para a passagem da vida à morte, quando a grande descoberta, seria compreender o que faz uma matéria morta voltar à vida.
Focado e ambicioso, Victor descobre como fazer isso e apesar do susto perante sua impensável descoberta, há também um sentimento de prazer por sua conquista. Sem pôr limites à sua ambição, decide pôr em prática sua descoberta e dar vida a um ser, formado de partes mortas.
“Eu trabalhara duro por quase dois anos com o único propósito de incutir vida num corpo inanimado. Para tanto, sacrifara repouso e saúde. Desejara isso com uma paixão que excedia em muito a moderação; mas, agora que havia terminado, a beleza de meu sonho desvanecia, e um horror e uma repulsa de tirar o fôlego invadiam-me o coração. Sem conseguir suportar a aparência do ser que criara, corri para fora da oficina…”.
Dessa forma, Victor Frankenstein dá vida a criatura mais conhecida das histórias e filmes de terror, que após inúmeras adaptações, acabou conhecido pelo nome de seu criador e com características físicas diferentes da original.
O monstro ou criatura na obra original não tem nome e por ter sido construído a partir de restos mortais, tem pele amarelada e não verde, como muitos filmes mostram. Contudo, a discrepância mais significativa entre a obra original e as diversas adaptações, é a retratação da criatura como apenas um monstro horripilante, que comete atrocidades.
Na obra de Mary Shelley, o monstro se mostra muito mais complexo e interessante que tais representações. Ao se descobrir com vida, ele foge sem saber quem é, onde está, de onde veio. Nessa fuga, vive muitas coisas e faz importantes descobertas, sendo as sobre si as mais impactantes.
Se descobrir monstro e sozinho em um mundo que nem imaginava existir, com todos fugindo ao vê-lo e percebendo o asco de seu próprio criador, foi impactante e transformador para a criatura.
“São pessoas boas, as criaturas mais admiráveis deste mundo; porém, infelizmente, estão predispostas a se voltar contra mim. Tenho boa índole, não fiz nenhum mal na vida até hoje e, em alguma medida, pratiquei o bem. Um preconceito fatal, porém, embaça a visão de meus amigos, os quais, no lugar de um companheiro afetuoso e gentil, enxergam apenas um detestável monstro”.
Retratado como um ser que adquire não só a vida, mas também consciência de sua existência, com sentimentos e emoções, a criatura nos faz questionar sobre limites e responsabilidades.
Quais os limites da ambição? O que somos capazes de fazer diante do pavor? Como dizem, o ódio é oposto ao amor, algo que a criatura nunca experimentou, pelo contrário, recebia por onde passava apenas repulsa e medo. Victor, por sua vez, arrependido, não sabia lidar com sua criação, não havia pensado nas consequências, mas tampouco poderia voltar no tempo e desfazer tudo.
A história vai se desenrolar em meio a fatos sangrentos, com períodos de fuga, caça e muito suspense. Permeado de reflexões profundas sobre o que é certo e o que é errado, causando desconfortos extremos, colocando o leitor por vezes do lado de Victor, e outras do lado da criatura.
Eu mesma, por fim, me compadeci muito pela criatura, quase compreendendo seus atos mais condenáveis.
Paralelo com a realidade
Pensando em termos atuais, poderíamos discutir a partir desse clássico questões como responsabilidade afetiva, abandono parental e até mesmo relações abusivas.
Será que a história da criatura teria sido diferente se Victor tivesse acolhido sua criatura e lhe apresentado o mundo, ao invés de fugir de suas responsabilidades fingindo que nada aconteceu?
A maneira como é tratado depois que ganha vida, revelam situações de preconceito baseadas somente em estereótipos. Sendo julgado e temido apenas por sua aparência, é perseguido e sofre ameaças de morte, apenas por ser como é.
Salvo as proporções — afinal se tratava de um monstro em uma história de terror — podemos pensar em como algumas pessoas têm dificuldade em aceitar e respeitar aquele que é diferente. E, principalmente em ambientes digitais, se sentem juízes capazes de condenar e excluir todos que por algum motivo não aceitam, ou não concordam.
Da mesma forma, é preciso pensar sobre questões éticas do nosso tempo, que ao invés de criar monstros, tem criado inteligências artificiais e metaversos. Qual o impacto disso em nossas vidas ou construção social? Quem se responsabiliza caso algo saia do controle?
Enfim, os paralelos possíveis são muitos e por isso recomendo demais a leitura dessa obra, a qual é muito mais atual do que possa parecer.
A história por trás da história
No verão de 1816, o casal Percy Shelley e Mary Wollstonecraft Godwin vão passar o verão à beira do Lago Léman -Suíça, na companhia dos amigos Lorde Byron, Claire, a meia-irmã de Mary e Dr. Polidori.
Porém, ao invés de dias de sol, foram surpreendidos por um verão chuvoso que os obrigou a ficar em casa por dias a fio. Em meio ao tédio, Lorde Byron lança um desafio aos amigos: cada um deverá escrever um conto de horror.
O gênero, que estava em alta na época, era muito lido e discutido pelos amigos naqueles dias.
Mary, que há muito tempo era instigada pelo marido a iniciar sua carreira como escritora e honrar o nome da família, se sentiu desafiada. E na companhia daqueles amigos e escritores que tanto admirava, como seu marido Percy e seu amigo Lorde Byron, sentiu-se motivada.
Dias se passam e sem nenhuma ideia para seu conto, Mary começa a se frustrar. Porém, em uma noite, ao ouvir atentamente os debates entre Percy e Lorde Byron, sobre os experimentos de Darwin, em que ele supostamente tentava dar vida a objetos inanimados, Mary tem um estalo.
Fixa seu pensamento nessa ideia, questionando se, seguindo técnicas galvânicas, era possível trazer um cadáver à vida? Ou ainda, fabricar as partes de uma criatura, reuni-las e depois, prová-las o calor vital, que a traria para a vida.
Vai dormir inquieta envolta nesses pensamentos, e não se sabe se por meio de um sonho ou uma visão, ela assiste um homem horripilante deitado em uma mesa, se movendo a partir de estímulos elétricos e ao lado seu criador extremamente assustado com o que acabara de criar. O criador assustado foge e ao retornar descobre que a criatura havia fugido.
Dessa forma, surge a ideia de seu conto, que depois é desenvolvido se tornando o romance Frankenstein ou o Prometeu Moderno.
Sobre a autora
Mary Wollstonecraft Godwin, nasceu em agosto de 1797. Filha de um importante filósofo inglês, William Godwin — que defendia ideais liberais em todas as relações — com uma das primeiras feministas, Mary Wollstonecraft, autora da obra Declaração dos direitos da mulher.
Sem conhecer a mãe, que morreu após o parto, Mary Shelley cresceu com o pai, a madrasta e seus irmãos, em um ambiente de pouco afeto, mas de muitos estímulos culturais e filosóficos. Desde sempre esteve rodeada de livros e importantes intelectuais que frequentavam sua casa, devido às relações de seu pai.
Ainda muito nova começou a escrever, como fuga e distração. Na adolescência, aos 15 anos, conheceu Percy Bysshe Shelley, de 20 anos, um grande admirador de seu pai, que passou a frequentar sua casa.
Na época, Percy era casado, mas isso não o impediu de viver um romance com Mary, que anos depois seria sua esposa. Juntos tiveram quatro filhos, porém, os três primeiros faleceram muito jovens. Percy acabou falecendo também muito cedo, em 1822, aos 30 anos, deixando Mary com o filho sobrevivente Percy Florence, nascido em 1819.
Mary Shelley, faleceu em 1851 com 54 anos. Deixando diversas obras escritas, entre romances, contos e biografias. Também seguiu divulgando as obras de seu falecido marido, ganhando relevância no espaço editorial.
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Por ser um clássico e já estar em domínio público, de tempos em tempos a obra ganha novas edições. Nesse link você confere uma seleção de edições, uma mais linda que a outra!
Aqui uma seleção de filmes que envolvem a autora e sua obra, sob diferentes perspectivas:
Filme Mary Shelley's Frankenstein, de 1994. Disponível para alugar no Youtube. Uma das primeiras adaptações para o cinema, com o roteiro mais mais fiel a história original. Com Kenneth Branagh como Victor Frankenstein e Robert De Niro, como a criatura.
Filme "Victor Frankenstein", de 2015. Disponível no streaming Star+, veja o trailer aqui. Essa adaptação foca seu roteiro em apresentar Victor Frankenstein e sua trajetória até sua descoberta e criação. É um filme que se dedica mais a segunda parte do livro, onde a história é narrada sob a perspectivaonta de Victor.
Filme "Mary Shelley", de 2017. Disponível no streaming Netflix, veja o trailer aqui. O longa vai contar a vida da autora Mary Shelley, desde sua infância, como conheceu seu marido Percy Shelley e principalmente, como escreveu sua principal obra: "Frankenstein ou o Prometeu Moderno". O filme é muito bonito, emocionante e nos faz gostar de Mary independentemente da sua obra.
Obrigada por ler! 🤓
Espero que tenha gostado e se inspirado a ler o livro.
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Nos vemos no próximo texto 🥰
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